Como destruir uma carreira política
As denúncias e o caso Gabriel Chalita
As acusações feitas ao ex-deputado e ex-secretário da Educação de
Alckmin foram arquivadas, sem prova. Mas sua carreira política foi
liquidada
por Luis Nassif
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publicado
14/10/2014
Em todo modelo democrático, há a influência de grupos econômicos na política. Seja nos Estados Unidos ou no Brasil, cada partido político monta alianças com grandes grupos que irão financiar suas campanhas e ter direito ao butim.
São partes interessadas todos os grupos que dependem de demandas do Estado – de empreiteiras a grupos de mídia -, que dependem da regulação pública – empresas de telecomunicações -, no caso dos EUA empresas ligadas ao complexo industrial-militar.
A diferença do Brasil é o grau de promiscuidade da política com os negócios, que chegou a tal ponto que criou uma cadeia improdutiva da corrupção, na qual todos se beneficiam.
O partido que está no poder – seja o federal ou nos estados – beneficia-se e aos seus, enquanto situação. Do outro lado, o principal partido de oposição se beneficia do discurso da denúncia – especialmente se não tem bandeiras para colocar no lugar.
Ponto central nesses jogos sao os grupos de mídia. Sao
eles que dão repercussão a denúncias. Quando isentos, sao grandes
fiscais da cidadania. Quando parciais, tornam-se cúmplices de jogadas do
pior nível.
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O jogo é simples. Aparece uma testemunha qualquer, com idoneidade ou não, e faz uma acusação verbal contra o alvo a ser destruído. Pouco importa se a acusação tem fundamento ou não. Aceitam-se até acusações em off, sem a menor garantia de que exista ou nao um acusador.
O passo seguinte é conseguir um procurador que transforme a manchete em inquérito. Depois, há a investigação de praxe, que fornecerá mais materiasl para denúncias, em um processo de retroalimentaçao.
No final, pouco importa se nada foi apurado, se a pessoa era inocente, se as denúncias eram falsas. O estardalhaço foi suficiente para liquidar com sua vida ou carreira política. E nada ocorrerá com os que participaram da trama - de procuradores e veículos de mídias.
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Um exemplo notório desse jogo é o que ocorreu com o ex-deputado Gabriel Chalita.
Secretário da Educação de Geraldo Alckmin, acumulou um bom cacife eleitoral.
José Serra cercou seu espaço no PSDB
e Chalita se viu obrigado a mudar de partido. Foi para o PMDB,
candidatou-se a prefeito de São Paulo e obteve 13% dos votos. Seria um
candidato competitivo ao governo do estado de São Paulo.
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De repente, aparece um ex-assessor com uma denúncia amplamente repercutida pela revista Veja – que sempre atuou como uma espécie de braço armado de Serra.
Na sequencia, o então Procurador Geral da República Roberto Gurgel enviou ao STF (Supremo Tribunal Federal) pedido de abertura de inquérito contra ele. Em São Paulo, foram abertos 11 inquéritos pelo Ministério Público Estadual.
Os jornais de São Paulo foram inundados de declarações dos promotores estaduais, divulgando documentos, fotos, e-mails do ex-assessor, mesmo antes de apurar sua consistência e veracidade.
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A maior parte das denúncias foi arquivada, por falta de provas. Restaram alguns episódios menores, de âmbito administrativo.Mas a carreira política de Chalita estava liquidada; sua vida pessoal, devassada. O que aconteceu com os veículos que divulgaram as falsas denúncias?
Nada. No precário modelo jurídico brasileiro, eles têm liberdade para matar.
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E como se plantam notícias para destruir uma carreira? Veja o exemplo a seguir:
Obtido de:
Blog do Reinaldo Azevedo a serviço de Veja
O
deputado federal Gabriel Chalita (PSB por enquanto) é mesmo um homem
surpreendente. Ele andou meio bravo comigo porque cotejei uma entrevista
sua com uma palestra. Trata-se do post A incrível história de Gabriel Chalita, um rico menino pobre, e sua velhinha desalmada.
Em uma, seus pais eram amantes do saber; em outra, o infante oprimido
era esmagado por uma família infensa a seus dotes intelectuais. Também
me espantei um tanto com uma senhora de um asilo, uma professora, que
fazia o garoto Gabriel, aos oito anos, ainda um anjo, ler Sartre… Se a
minha memória não falha, quando ele devolvia o livro à mestra, dizia:
“Não entendi nada, mas adorei!” Sartre aos oito anos é um caso explícito
de molestamento filosófico.
“Não entender, mas adorar” é coisa de quem aprende com o coração, entenderam?
No texto de
que ele não gostou, também confronto duas informações: uma dá conta de
que um apartamento espetacular em que ele mora, aqui pertinho, avaliado
em R$ 8 milhões, foi comprado com parte de uma herança familiar; outra
nos diz que ele era pobre de marré, marré, marré.
Não entendi nada, mas adorei.
Chalita está na Folha
de hoje, numa entrevista a Morris Kachani. Aos 42 anos, já escreveu
7.835 livros — 54 para ser mais preciso. Diz estar com “tesão” para ser
prefeito de São Paulo. Eu poderia escrever que os paulistanos aguardam
apreensivos. Mas diriam que estou sacaneando o deputado neo-socialista,
que está de mudança para o velho PMDB.
Indagado se faz literatura de auto-ajuda, respondeu:
“Não sou um autor de auto-ajuda. Isso é
herança de quando o Serra brigou comigo. Tentou me desconstruir
intelectualmente. De repente, acionou todos os seus amigos e blogueiros.
Eu era o geniozinho e virei o escritor de auto-ajuda. Mas tudo que
escrevo tem um enfoque filosófico.”
Nunca
conheci ninguém menos ignorante do que o próprio Chalita que o
considerasse um “geniozinho” — eventualmente aquela velhinha que o
levava a ler Sartre aos oito anos… Na entrevista, ele explica o seu
método de criação. E a gente entende as duas coisas: por que alguns o
consideram gênio e por que, de fato, ele é um autor de auto-ajuda.
Eu sei que
ele me inclui entre os “blogueiros” do Serra. Como não conheço os
outros, devo ser o único. Quando o ex-governador está entediado, me
liga:
— Dá aí uma cacetada na obra filosófica do Chalita.
Obediente, vou lá e executo a tarefa. Afinal, se não sou eu a falar mal
da obra deste gigante da filosofia, quem o fará? Não há livro seu que
não deixe a crítica de queixo caído. O silêncio que se ouve não é
desprezo, mas estupefação diante do Maravilhoso. Ele há de entender a
surda reverência diante da Epifania!
Na
entrevista, a gente entende por que Chalita já escreveu 7.836 livros
(eram 7.835 quando comecei o post). Esta pergunta e esta resposta
revelam seu método de criação:
Folha – Só no ano de 2010 foram oito livros. Como consegue ser tão prolixo? Trabalha com “ghost writer”?
Chalita – É que
deve ter muito livro infantil aí. O livro que fiz com o Mauricio de
Sousa, por exemplo, escrevi no avião em uma viagem de São Paulo a Natal.
O “Pedagogia do Amor”, escrevi em 15 dias. “A Ética do Menino” foi no
Réveillon. Estava na casa de Ângela Gutierrez em Salvador. A Milu
Vilella sentou ao meu lado e disse: “Deixe-me ver como você escreve”.
É um
potentado! Se Chalita fosse um ginasta, Milu pediria: “Chalita, dê uma
pirueta!” E ele daria pirueta. “Agora uma estrela!” Pimba! Lá estaria o
Chalitinha encantando as senhoras com sua agilidade. Como é escritor,
alguém se acerca e pede: “Deixe-me ver como você escreve”. E lá vai ele,
segundo entendi, com uma variante da escrita automática, lançando no
papel tudo o que lhe vem à mente, segundo o método da livre associação. É
verdadeiramente mágico! Não fossem o Serra e seus blogueiros, seria uma
unanimidade!
Chalita
prepara seu 7.838º livro (o 7.837º veio à luz enquanto eu redigia o
parágrafo anterior). Mais uma contribuição seminal ao pensamento,
sobretudo porque ele revela que escreve sem fazer pesquisa, o que alguns
já haviam percebido sem que houvesse a confissão. Leiam:
Folha – O que você está escrevendo agora, a propósito?
Chalita - Estou com um projeto sobre correspondências imaginárias entre Sócrates e Thomas More. Em dez dias nos EUA, quase acabei.
Folha – Você escreveu de cabeça, sem pesquisa?
Chalita - De cabeça, porque na verdade meu Sócrates é um
camponês, e meu More é professor. Então, eu pego conceitos filosóficos,
mas são diálogos. Adoro escrever cartas. Ficção com base epistolar é
muito bonita.
Compreendo.
Quem conhece Sócrates não perde tempo com ele, e quem não conhece o toma
por Platão. Em outra resposta, ele deixa ainda mais claro o momento em
que Pégaso escoiceia a Fonte de Hipocrene:
Folha – Como funciona seu processo de criação?
Chalita - Faço
associações. Por exemplo, os rituais macabros com albinos na Tanzânia
que menciono em um livro. Fiquei sabendo disso no Congresso. E eu adoro o
“Navio Negreiro”, daí eu pego a coisa da Tanzânia, e penso no pássaro
que o Castro Alves imaginava sobre aquela nau, vendo aquele sofrimento.
Então, eu vou buscar o Castro Alves e coloco lá.
Compreendo…
“A coisa da Tanzânia”, misturada a Castro Alves, resultou em mais uma
obra de puro chalitismo. Considerando que boa parte de seus leitores não
conhece o poema, parece que se revela um segredo: é a chamada
inspiração “chupa-cabra”.
Já estou
antevendo. Os “fãs” de Chalita, não sei se de modo espontâneo ou
estimulado, entrarão nos comentários para dizer que estou com
dor-de-cotovelo: “Você, que só escreveu três livros, está com inveja do
Chalita, que está escrevendo o 7.939º…” Epa! Ela já publicou mais do que
Machado de Assis e Graciliano Ramos somados. É razoável! Aqueles dois
não tinham tanto assim a dizer. Não eram dotados dessa mente
fervilhante.
O católico
Chalita se coloca como “o” católico da política. Isso o
obrigaria a não mentir, a não levantar falso testemunho, nem para
prejudicar seus adversários nem para proteger seus aliados. Leiam o que
segue:
Folha – Que pensa do aborto?
Chalita - Sou contra o aborto. Sou um defensor ardoroso do direito à vida. Há bens inalienáveis, como a vida.
Folha – Acha que Dilma e Serra também são contra ou foi apenas um jogo de cena?
Chalita - Não sei. Nas conversas com a Dilma, ela dizia que os
ricos fazem e os pobres não, daí a injustiça. O Serra acho que era mais
favorável.
Se Dilma
disse mesmo aquilo a Chalita, falou uma grande besteira. Mas pode ser
apenas a aplicação prática de seu método criativo à política. Pobres e
ricos fazem aborto no Brasil – os pobres mais do que os ricos numérica e
percentualmente porque têm menos acesso à informação, ao planejamento
familiar e a métodos contraceptivos. Mas essa desigualdade não torna o
aborto justo ou injusto. Se Dilma disse mesmo essa tolice a Chalita, não
posso asseverar. Em nome da verdade, o soi-disant “católico”
Chalita deveria lembrar que a agora presidente fez a defesa explícita do
aborto, mais de uma vez, como um “direito” da mulher — e, pois, segundo
as palavras do próprio, isso não a caracteriza como uma “defensora
ardorosa” da vida.
Chalita tem
com a verdade o mesmo rigor evidenciado na sua produção sobre Sócrates:
“O Serra acho que era mais favorável [ao aborto]“. Não há uma só
declaração do ex-governador — à diferença de Dilma — em defesa da
legalização do aborto ou de sua prática. O bom “católico” Chalita está
apenas fazendo política mesquinha. Ele tem o direito de se opor a quem
quiser, mas, para um pensador da ética, sua prática é lastimável.
Deixo claro
que não o considero um escritor de auto-ajuda no sentido tradicional da
expressão. Eu realmente não creio que alguém ganhe alguma coisa ao ler
um livro seu. Folheei um único num consultório médico, perdido em meio a
revistas “Caras” e “Quem”… Era aquele sobre a ética do menino ou algo
assim… Tive um ataque de riso logo na segunda página. Os demais
pacientes devem ter achado que eu tinha errado de especialista. Chalita é
“auto-ajuda”, sim: sabe ajudar-se como poucos!… Ninguém pode condená-lo
por isso se há quem o leia. Ele tem de se conformar: não é um gênio;
trata-se apenas de um rapaz muito esperto.
Na abertura da entrevista, informa a Folha:
” (…) enquanto posava para as fotos, [Chalita] afirmou: “Esses árabes bonitos são fáceis de fotografar”.
Ok. Sua pretensão de ser bonito chega a ser mais justa do que a de ser inteligente.
Texto publicado originalmente às 18h07 deste sábado
Por Reinaldo Azevedo