A corrupção do PSDB nos órgãos oficiais do Estado de São Paulo
Entrevista de Fábio Konder Comparato
O aparelhamento das instituições paulistas - Legislativo e Judiciário pelo PSDB
Como é possível avançar no combate à corrupção, apesar do bloqueio e das manobras sistemáticas que impedem, por exemplo, investigações e CPIs no Estado de São Paulo?
Como é possível avançar no combate à corrupção, apesar do bloqueio e das manobras sistemáticas que impedem, por exemplo, investigações e CPIs no Estado de São Paulo?
Konder Comparato - O PSDB acha-se no governo do Estado há mais de um
quarto de século. Durante esse tempo, conseguiu aparelhar um sistema de
controle, ou pelo menos de influência dominante, sobre a Assembleia
Legislativa, as Polícias e também, em grande parte, o Judiciário e o
Ministério Público. O partido conseguiu, além disso, montar igualmente
um esquema de controle do eleitorado, esquema esse, aliás, vinculado à
corrupção.
A
eliminação dessa máquina de poder partidário somente ocorrerá quando
tivermos introduzido em nossa organização constitucional algumas
medidas, como a eleição do chefe do Ministério Público estadual pelos
seus pares, e a autonomia da Polícia Judiciária em relação à chefia do
Poder Executivo.
Enquanto
tais medidas não existirem, é preciso usar dos poucos recursos
disponíveis pelos cidadãos, como a ação popular e outras ações
judiciais, bem como representações junto ao Ministério Público, ou até
mesmo o Conselho Nacional de Justiça ou o Conselho Nacional do
Ministério Público, em Brasília. Como se percebe, não é um jogo fácil.
A corrupção no Brasil, como um mal endêmico
O sr. vem alertando que a corrupção é um mal endêmico no Brasil. Tivemos algum avanço?
Konder Comparato -
Denomina-se endemia uma doença infecciosa que ocorre habitualmente e
com incidência significativa numa determinada população. Pois bem,
falando simbolicamente, a corrupção dos órgãos públicos no Brasil é uma
endemia cujas primeiras manifestações irromperam já no primeiro século
da colonização. Assinale-se que, quando em 1549 aqui chegou Tomé de
Souza, o primeiro Governador-Geral do Brasil, ele trazia consigo um
Ouvidor-Geral, ou seja, chefe dos serviços de Justiça e Polícia, e um
Provedor-Mor, ou seja, o encarregado de dirigir os assuntos econômicos
da colônia. Pois bem, ambos haviam sido acusados de desviar dinheiro do
Tesouro Régio, quando ainda estavam em Portugal. Ao aqui chegar, o
Ouvidor-Geral enviou um ofício enviado ao Rei de Portugal, para declarar
que o quadro geral da colônia configurava “uma pública ladroíce e
grande malícia”.
Note-se
que, à época, os administradores para cá enviados pela metrópole haviam
comprado seus cargos públicos, costume já consolidado em Portugal. Aqui
chegando, a fim de amortizar o valor da compra de seus cargos e para
compensar o sacrifício de viver nesta colônia atrasada e distante, tais
administradores procuravam de qualquer maneira ganhar dinheiro. Para
tanto, associavam-se aos senhores de engenho e grandes fazendeiros,
participando de seus negócios; quando não se tornavam, eles próprios,
senhores de engenho ou proprietários de fazendas.
A
partir de então, institucionalizou-se a associação permanente dos
potentados econômicos privados com os grandes agentes estatais, formando
o grupo oligárquico que até hoje comanda este país. Estabeleceu-se
desde então o costume da privatização do dinheiro público, usado pelos
oligarcas como uma espécie de patrimônio pessoal. Ou seja, corruptos são
apenas os que se vendem por dois tostões de mel coado. É o tema do
conto de Machado de Assis, Suje-se gordo!
Sem
dúvida, a operação Lava Jato parece ter sido o começo de uma mudança
nessa longa tradição. Mas é preciso dizer que tal operação tem sido
ostensivamente seletiva, pois deixa de lado todas as ladroíces cometidas
nos governos anteriores ao PT no poder, abusando do vício dos dois
pesos e duas medidas.
Democracia inexistente; plebistico? Impossível; apreciação de projetos de Lei por abaixo-assinado: uma farsa.
Quais os entraves e caminhos que ainda precisamos percorrer para que o poder, efetivamente, “emane do povo”?
Konder Comparato -
Para resumir o assunto, o povo jamais teve qualquer espécie de poder
político no Brasil. Fala-se habitualmente em reconquista da democracia
com o término do regime de exceção empresarial-militar instalado em
1964, e o restabelecimento das eleições. Mas nestas, a vontade popular é
sistematicamente falseada pela influência do poder econômico dos
oligarcas e as práticas ardilosas dos políticos profissionais.
Pior
ainda: na nossa política, desde os tempos coloniais temos tido uma
tradição de dissimulação do poder oligárquico por meio de belas
instituições oficiais ocultando a realidade. Nossas Constituições, por
exemplo, desde a primeira de 1824, são peças puramente retóricas,
incapazes de enfraquecer e, menos ainda, de extinguir o regime
oligárquico.
A
atual “Constituição Cidadã”, por exemplo, declara em seu art. 14 que a
soberania popular é exercida, além do sufrágio eleitoral, pelo
plebiscito, o referendo e a iniciativa popular legislativa. Mais
adiante, porém, o art. 49, inciso XV vem precisar que “é da competência
exclusiva do Congresso Nacional autorizar referendo e convocar
plebiscito”. Ou seja, trocando em miúdos, somente os mandatários do povo
tem poder para autorizar as manifestações de vontade deste! É,
literalmente, a submissão do mandante à autoridade do mandatário.
E
quanto à iniciativa popular, a direção da Câmara dos Deputados já
fixou, desde o início de vigência da Constituição, que os milhares de
assinaturas necessárias à apresentação de um projeto de lei de
iniciativa popular devem ser reconhecidas, uma a uma, pelos funcionários
daquela Casa do Congresso Nacional. É exatamente por isso que até hoje
nenhum projeto dessa natureza foi votado e aprovado pelo Congresso
Nacional.
Revoltado
contra esse embuste jurídico oficial, tentei atuar. Em 2004, em nome do
Conselho Federal da OAB, apresentei à Comissão de Legislação
Participativa da Câmara dos Deputados um projeto de lei de
regulamentação do art. 14 da Constituição, para eliminar a interpretação
de que o Congresso Nacional tem poderes acima do povo soberano, em
matéria de plebiscitos e referendos. O projeto ainda não foi votado em
plenário na Câmara, mas já um substitutivo apresentado na Comissão de
Constituição, Justiça e Cidadania por um deputado do PT veio reafirmar,
com outras palavras, que somente o Congresso Nacional tem o poder de
autorizar o povo soberano a votar em plebiscitos e referendos.
Em
2005, apresentei a dois Senadores um anteprojeto de Proposta de Emenda
Constitucional, introduzindo em nosso país o instituto de recall; isto
é, do referendo revocatório de mandatos políticos. O povo elege e pode,
portanto, destituir o representante eleito. Obviamente, após nove anos
de tramitação, a proposta foi desaprovada em plenário.
Mas saibam que não desistirei de denunciar a impostura política que prevalece neste país sob a forma constitucional.Fábio Konder Comparato (Santos, 8 de outubro de 1936) é advogado, escritor e jurista brasileiro, formado pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo.
Em 16 de janeiro de 1976, foi nomeado professor titular da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, em regime integral, dedicado ao ensino e à pesquisa. Aposentou-se em 2006.
Doutor em Direito pela Universidade de Paris e doutor Honoris Causa da Universidade de Coimbra. Em 2009, recebeu o título de Professor Emérito da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo.
Especializou-se inicialmente em Direito comercial, tendo publicado O Poder de Controle na Sociedade Anônima. Atualmente dedica-se a outras áreas, especialmente Direito Constitucional, Direito do Desenvolvimento e Direitos Humanos.
Obtido de: http://bit.do/aparelhamento-de-sao-paulo-pelo-psdb